PAIXÕES QUE SE ENCONTRAM

“Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade” (Raul Seixas)

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Christiano "Duke" Delatore `esquerda, Ricardo "Flash" Hilsdorf ao centro e Juliano "HEavy Metal" Pereira à direita.

No final dos anos de 1990, a vida de muitos jovens mudaria com o advento da internet, trazendo informações do mundo todo direto para a tela do computador e para as mentes sedentas por conhecimento, saudosismo e novidades! Com a ajuda das ferramentas de busca, ainda incipientes, a Word Wide Web era um mar de oportunidades a ser explorado! Através do Altavista ou do Cadê? (o Google ainda estava em desenvolvimento) era possível encontrar coisas incríveis e se conectar a pessoas de várias partes do mundo. Então, imagine agora ser uma criança ou jovem que cresceu entre 1980 e 1990, acompanhando uma infinidade de desenhos animados e séries na TV Globo, SBT, Manchete, Bandeirantes... ou procurando algo diferente nas locadoras de filmes VHS (é, a gente não tinha streaming na época!) e nossas escassas fontes de informação eram, além dos próprios desenhos, poucos quadrinhos e revistas especializadas na época... Revistas como Set sobre cinema, Mundo do Video Game, Herói, A Semana em Ação, Dragão e algumas poucas outras, que hoje seria consideradas cultura geek.... E, de repente: Bum!!! Aparece uma tal de internet! E toda aquela enxurrada de dúvidas que tínhamos poderia, finalmente, ser explicada ou resolvida... E muitas outras surgiriam, claro! Então, para um colecionador de brinquedos, em especial Comandos em Ação como eu, finalmente muitos mistérios seriam revelados!! E o mundo se tornaria muito maior do que a coleção iniciada pela Estrela em 1984!

Obviamente, se sua única fonte de informação sobre os Comandos era o desenho animado (que começou a ser exibido no Brasil somente 2 anos depois, em julho de 1986) e a primeira série de quadrinhos lançadas por aqui pela Editora Globo (em agosto de 1987) uma confusão danada foi criada em nossas cabeças!!! Como assim o Invasor é o herói Snake Eyes no desenho? Cadê a figura do Comandante Cobra? E por que não aparece o Cobra de Aço?? E esse helicóptero que é dos Comandos e não dos Cobras nos brinquedos? E que raios é esse nome G.I. Joe? ..... Dentre milhares e milhares de outras.... Honestamente tenho que confessar que tive um pouco mais de “sorte” e conhecia as figuras da Hasbro em meados dos anos 80, graças a alguns amiguinhos que foram presenteados com figuras internacionais em viagens ou por parentes que queriam fazer aquele agrado! E os catálogos eram maravilhosos (ainda tenho alguns deles aqui). Pois bem, então seguindo em frente com tudo isso em contexto, durante minhas pesquisas na rede, me deparei com a fonte definitiva de informações sobre GIJoe: o site Yojoe.com! Que sensacional!!! Passei horas e horas explorando e saboreando todas as partes do site... Descobrindo ainda que existiam Joes produzidos em vários países da América Latina, Europa, Asia... E imensas variações! E nessas pesquisas, notei que havia, inclusive, uma seção destinada justamente para os nossos amados Comandos da Estrela... E por mais completo que o site fosse na época (estava no início, por volta de 1996, não me recordo ao certo), algumas informações estavam incorretas e muita coisa faltando... E no intuito de contribuir, entrei em contato via e-mail com o criador e administrador do portal, Corey Stinson (por sorte, meu nível de inglês na época era intermediário, muito graças aos muitos livros de RGP que líamos pois não tinham suas versões em português). E assim começamos uma relação de amizade, sempre ajudando quando podia, tirando dúvidas e enviando fotos... Nessa época também decidi criar o primeiro site sobre os Comandos em Ação do Brasil, o GIJoe em Ação! Sim, foi o primeiro. Foi inicialmente hospedado no provedor da Fortune City (que nem existe mais), depois passou para o BOL e depois no UOL e depois ganhou endereço próprio... E hoje não está mais no ar... Mas ainda tem fotos dele por ai, eu encontro com frequência! E ainda está apontado como referência no Yojoe em www.yojoe.com/international/brazil/. E foi seguido magistralmente pelo site YojoeBrazil.com. E por intermédio da amizade com o Corey, começamos a fazer trocas entre itens... Ele, basicamente, buscava figuras exclusivas como o Cobra de Aço ou o Invasor e a Força Fera, e eu sobre os joes originais. E consegui com ele o set do Cobra-La, sonho de infância...

E quando achei que minhas “necessidades” de colecionador tinham sido atendidas, Corey mencionou casualmente se ele poderia enviar um só pacote com as minhas coisas e de demais colecionadores do Brasil, diminuindo o custo de envio (a gente pagava via Western Union ou Vale Postal na época... Era tenso...)! Como assim existiam “outros colecionadores”????? Não estava sozinho no mundo de “nerdice”??? E foi assim que ele me passou o contato de outros dois malucos: Ricardo Hilsdorf e Christiano Delatore.... Pronto, foi aquela emoção! Mandei e-mail para ambos e marcamos de nos encontrarmos. E foi uma alegria muito grande saber que, como nós, existe mais gente que compartilha nossas maluquices! Então passamos a nos comunicarmos com frequência e, consequentemente, percebemos que poderiam haver mais de nós por aí, perdidos e sem um ombro para poder desabafar sobre colecionismo e Comandos em Ação! Decidimos então fundar o primeiro fã-clube do Brasil, o BRAJOES em 1997. Ricardo sempre foi o mais empolgado e bolou um milhão de coisas.... Entre elas a escolha de nomes de códigos para cada membro. Ele seria o Flash, o Chris o Duke e eu o Heavy Metal... Fiquei responsável por criar o logotipo dos Brajoes e depois o site principal, e o site TrocaBrajoes que ajudava os colecionadores a completarem suas coleções... Muito legal tudo isso! Muita gente aderiu ao grupo desde o início e foi ajudando como podia. Conseguimos realizar nossa primeira Convenção de Fãs, que foi realizada em 1 e 2 de dezembro de 2001, na Comix em SP e muitas outras se seguiram...

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Banner da Primeira Convenção Brajoes JoeCon Brasil, na época o primeiro encontro.

Mas como a vida é a vida, por volta dos anos 2000, Chris decidiu deixar a vida de coleção de lado completamente para poder se dedicar ao trabalho. Eu também tive que priorizar o trabalho embora não tivesse totalmente deixado a coleção de lado. Mas a bandeira ficou nas mãos capacitadas e comprometidas do Ric, que sempre acordava e dormia pensando em Comandos! Fatalmente, o destino tem sua própria direção e Ric nos deixou em 2015 devido a um câncer... Perdemos nosso guia e incentivador... Nosso “acervo” nacional sobre a linha e todos os colecionadores... Mas como o sonho não pode morrer, nosso querido amigo Laerte, o Buzzer, tomou a responsabilidade pra si de forma magistral e têm mantido a chama viva no país, conseguindo seguir com os ideais e o compromisso que o Flash nos deixou... Tenho certeza de que, através do colecionismo e das nossas esquisitices, conseguimos criar laços eternos de respeito e amizade, unindo pessoas que se juntaram por um simbolismo muito maior que uma linha de brinquedos, mas pela aceitação e compromisso conjunto. Nosso sonho individual se tornou realidade para muitos!


Como Ficou o Brajoes Depois do Ricardo "Flash" Hilsdorf

Quando comecei a colecionar? Não sei dizer exatamente quando isso começou com a consciência de que era uma coleção. Mas eu costumo dizer que comecei a colecionar Comandos em Ação em 1984, quando ganhei meu primeiro Arma Pesada e o Lança-Mísseis. Era um sábado e estava chovendo quando meu pai chegou e jogou os dois pra mim, sem pacote, sem sacola, só os brinquedos.


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Daí pra frente era ganhar isso. Não tinha mais Falcon em 1984. Os meus estavam desmontados, a Estrela usava uma borracha de má qualidade (ou, na verdade, era o que se tinha na época) para fazer as articulações do Falcon e apodreciam rápido, o Falcon ficava sem dedos, o que nós chamamos de “lepra” do Falcon. Mais ainda, nessa época, ganhei o helicóptero preto do Falcon, de uma promoção das Lojas Glória. Minha mãe que deu.


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Mas acho que a sanha de colecionar, de manter, de arquivar, veio de um trauma. Fui com a minha mãe visitar uma amiga dela. Não sabia quanto tempo ia ficar, levei uma sacola com todos os meus Comandos em Ação. Estavam molengas, detonados, alguns não tinha braço (era fácil de quebrar) e quase todos tinham perdido, pelo menos, um polegar. Tinha o Arma Pesada, o Raio Laser, o Rádio Aleta, o Bazuqueiro, o Frente de Batalha e o Invasor (tinha cinco Cobra Invasor, era uma tropa do mal). Na volta, na pressa de pegar o ônibus, aquela criança de 10 anos esqueceu a sacola no ponto. E nunca recuperou. E chorou por dias. Minha avó deu dinheiro para eu recomeçar e comprei, aos poucos, tudo de novo. O Arma Pesada, o Raio Laser, e assim por diante. Mas desse momento em diante, as cartelas foram guardadas. As caixas dos veículos foram guardadas. As bolhas foram guardadas por um tempo, até ocuparem espaço demais. Os bonecos eram catalogados. Depois de um tempo, caixas específicas para guardar as coisas eram mantidas, primeiro de papelão e, por fim, cases plásticos, organizadores. Hoje tenho um cômodo da casa dedicado a guardar a coleção. Era pra ser um escritório, mas a coleção ficou maior que o escritório e, sim, está espalhada pela casa. Várias tentativas de catalogar e cadastrar os itens da coleção vieram e falharam, e ainda vou tentar catalogar tudo novamente. Em 1997, quando comecei a ter acesso à internet com regularidade, descobri o site yojoe.com, onde temos toda a coleção cadastrada (pelo menos até 2018, por problemas internos eles não atualizam o site desde então). Mas, principalmente, conheci o iBazar. O IBazar era um site de leilões e comecei a comprar G.I. Joe e Comandos em Ação por lá (Comandos em Ação saíram do mercado oficial em 1995). Comprei muita coisa. E conheci um vendedor chamado Leo Lima. Fui até para São Paulo pegar uma caixa de partes de veículos para montar customizações. E o Leo me perguntou “já ouviu falar do Brajoes?”. Isso foi em algum momento de 1998. Então o Leo me contou que ele era o Snake Eyes no Brajoes, o fã clube em que o membros assumiam o codinome de um dos personagens da franquia. Ele me passou o contato do Ricardo Hilsdorf e, feito o contato, o Ricardo me ajudou a escolher o codinome Buzzer, um dos Dreadnoks, e comecei a fazer parte desse seleto grupamento de pessoas. Na época, nos comunicávamos em um grupo de e-mail do Yahoo!. Era o que a gente conhecia, o Yahoo! Grupos, onde o e-mail mandado para o grupo ia para todos os membros. Trocamos muita informação. Veio o ICQ, veio o MSN, veio o Orkut. No Orkut, mais gente foi se encontrando, mas não conseguimos manter o sistema de codinomes nessa época. A convenções reuniam pessoas. Eu conheci muitas pessoas. Trabalhar as customizações e montar veículos e bonecos me tornou conhecido pelo pessoal numa época que quase ninguém fazia isso. Um dia veio o Facebook. Criar grupos, comunidades, tudo que o Facebook oferece. Mas o Ricardo não curtiu o Facebook. Ele percebeu que muita gente só queria ampliar a coleção de bonecos e não fazer amizades com o colecionismo. Então ele não criou um grupo Brajoes no Facebook. Eu pedi autorização para usar o nome Brajoes e criar, ele consentiu. E ficou feliz porque o grupo não e tornou um local somente de compra e venda, pois haviam grupos específicos para isso. Quem era das antigas e eu tinha o contato, fui chamando. O grupo está lá até hoje. Com o tempo, o Ricardo não fazia mais as convenções, em parte por causa da luta contra o câncer, em parte pelo trabalho, e com sua partida em 2015 tivemos um hiato até o Pedro e a Mariana, o Overkill e a Dra. Knonx do Brajoes, abrirem a Taverna do Ogro Encantado e os encontros mensais no Shopping Vitrine Iguatemi. Com o tempo, o Luiz Paulo, o Big Bem do Brajoes, abriu o Arsenal 51 e as convenções se mantiveram até 2016 quando, por força maior, o Arsenal fechou fisicamente (a Taverna tinha fechado um tempo antes, o Arsenal continua na internet).


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Em 2017 não iria haver convenção. E eu achei que era melhor ter, que se não tivesse, a coisa poderia morrer. Então me juntei com o Maurício Zapa, o Igor Lopes, o Anderson Bispo e o Gustavo e organizamos uma JoeCon. Entrei contato com a Estrela, pelo relançamento do Falcon e tivemos itens estrela para sorteio e premiação pela primeira vez. Depois, em 2018, por sugestão do Gustavo, mudamos o nome de JoeCon para Brajoes 2018, para ter uma identidade própria e não a JoeCon dos EUA. E a Estrela fez o debut dos Falcon Missão Heróica na Brajoes 2018. Hoje nossa parceria é com a Hasbro.


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Desde sempre eu sempre vi a maneira como o Ricardo entendia o colecionismo como algo belo e que precisava vir antes do “ter itens na coleção” e assim, assumi a bandeira do Brajoes como presidente do fã clube e tenho feito o que está ao meu alcance para manter a chama da amizade com base no colecionismo acesa.


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